terça-feira, agosto 16

Carne com osso sem sentir

Encontrada de alma morta naquele chão, onde só aquele soalho frio pintado de losangos violeta foi testemunha de tamanha solidão. Ali estava ela, um corpo sem alma, o frio que envolvia o soalho contrastava com o corpo ainda quente, que se despedia tardio com um simples abraço da sua já tão distante alma. Apesar de morta, o coração ainda bate. O corpo ainda se prolonga em forma de sangue que corre nas veias. Apenas a alma partiu e levou consigo a mente de pensamentos sonhadores, de memórias, recordações, passos dados que já não voltam atrás. A cabeça partiu com a alma e não vai voltar como era dantes. O cinzeiro laranja aceso de beatas ilumina a sala escura de paredes vermelhas que aquecem o coração. Não há tempo para suspiros, ela preenche o chão com o vazio, só existe um único barulho, apenas a melodia ensurdecedora do soalho que a sustenta. No chão jaz uma fotografia queimada pelo calor do tempo, como se o tempo parasse e ela tivesse parado com ele. Naquela folha de papel com pedaços de vida num embalo que a leva, os seus olhos levam-na ao lugar que na folha está pintado. Mas ela continua presa ao soalho que não a deixa partir. Até que num rasgo de vida os olhos se acendem para contemplar o que a rodeia, mas ela desiste. O que os seus olhos vêem a sua alma já não sente, a alma partiu. Ela morreu de alma e coração e ninguém viu, ninguém deu conta. Nos sorrisos tanta dor e ninguém os calou com um beijo. Ela levantou-se mais uma vez, mas a alma dela ficou no soalho. Partiu. Já não volta. Ela é corpo. Carne com osso sem sentir. O coração bate mas não se move. Os olhos vêem mas não sugam dos outros a verdade. Nunca mais sentiu. Nunca mais olhou. Carne com osso que já não sabe sentir.

Armadura Leve

Sempre arranjei formas de sufocar o meu próprio sofrimento. O meu sorriso sempre foi a minha maior arma contra o olhar preocupado dos que me rodeiam, ate os que me conhecem bem às vezes não vislumbram a minha alma triste. É um mecanismo de defesa, como lhe chamam os conhecedores da arte de viver ou melhor sobreviver. Nunca soube esconder a alegria, sempre se viu estampada no meu corpo, no mexer das mãos, nos rodopios do meu corpo, no bater do meu pé no chão recheado de entusiasmo porque a felicidade me batia a porta, nas gargalhadas vindas do fundo do espelho da alma que me pede para gritar. Já a minha tristeza essa guardo para mim, o meu corpo fecha-se e por mais que os meus olhos me denunciem não a partilho sequer contigo. Não a partilho com ninguém. Posso falar, até chorar. Mas não a partilho, a tristeza vive cá dentro e cá dentro permanecerá. Por agora serei feliz, sorridente até triunfante na minha forma de dançar a vida. Só cá dentro serei rio que gela a pele e cobre o coração de lodo, cinzento e vazio. Vento que abre veloz as janelas do quarto e me vem buscar para eu partir. Aqui serei uma folha em branco onde alguém escreveu, e que eu risquei para me apagar.
Falo de ti, como que resisto.
Não és de novo aquele, és outro igual mas com recortes de vilão. Eu pego-te ao colo sou feliz. És cá dentro o que não deixaste de fora. És fora tudo o que de nada tens dentro. Cada palavra é escolhida a dedo. Cada gesto personalizado. Sais por cima, eu não gosto de ficar ao lado. Fico cá dentro e por agora tu cá fora fechado.